Enquadramento

Água: recurso estratégico e vital

A água desempenha um papel fundamental em aspetos como a sobrevivência dos seres vivos, a saúde, a agricultura e aquacultura, a produção de energia, o desenvolvimento industrial entre muitos outros setores. A crescente necessidade de água, associada às pressões exercidas pelo crescimento populacional, urbanização, mudanças climáticas ou o uso inadequado dos recursos hídricos, está a tornar este recurso geológico responsável por tensões e disputas em várias partes do mundo, pelo que, a sua gestão sustentável é crucial para garantir que as necessidades presentes e futuras sejam atendidas de forma a preservar os ecossistemas.

Particularmente, a importância da água doce e a defesa de uma utilização e controlo sustentáveis da água potável são tão importantes que se desenvolveram várias iniciativas internacionais, das quais se destacam a redação da Carta Europeia da Água (1968), a realização da 1ª Conferência da Água das Nações (1977), a adoção da Convenção sobre a Proteção e a Utilização dos Cursos de Água Transfronteiriços e dos Lagos Internacionais (habitualmente designada por “Convenção da Água”; 1992), a instituição do Dia Mundial da Água (1993), a constituição do Conselho Mundial da Água (1996), a implementação do Programa Mundial da UNESCO para a Avaliação dos Recursos Hídricos (2000) e da Diretiva Quadro da Água (2000) e a inclusão do objetivo “Água Potável e Saneamento” (#6) como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU (2015), que pressupõe o cumprimento da acessibilidade de água e saneamento para todos até 2030. As metas definidas para este ODS estão longe de ser cumpridas. As disfunções ao longo do ciclo da água prejudicam a evolução positiva em todas as dimensões principais e que englobam a saúde, a fome, a igualdade de género, o emprego, a educação, a indústria, os desastres e a paz e atrasam a concretização dos vários ODS e do grande desígnio da Agenda 2030 “Não deixar ninguém para trás”.

Assim, continua a ser urgente alertar para a importância deste recurso natural, implementando estratégias de preservação e restauração ambiental, que protejam o ciclo da água e melhorem a qualidade de vida das populações.

Em março deste ano, decorreu, em Nova Iorque, a Conferência da Água da Organização das Nações Unidas (ONU) 2023, constituindo a primeira grande conferência da ONU dedicada à água desde 1977. Este evento centrou-se no progresso em direção às metas relacionadas com a água e com o saneamento, coincidindo com a revisão abrangente de médio prazo da Década Internacional de Ação “Água para o Desenvolvimento Sustentável 2018-2028”. Igualmente, têm sido desenvolvidas iniciativas por parte da UNICEF, que visam apoiar o acesso à água potável e ao saneamento adequado com objetivo de garantir ambientes mais seguros para as populações mais vulneráveis, bem como para promover práticas de higiene em áreas urbanas e rurais, inclusive em situações de emergência (UNICEF).

Em Portugal, o Dia Nacional da Água, celebrado a 01 de outubro, pretende promover a reflexão sobre a importância deste recurso e incentivar o uso mais eficiente da água, consciencializando para o seu valor em todas as suas dimensões – sociais, ambiental e económica.

Uma das soluções equacionadas, e já em prática em alguns países, para combater a escassez de água e a seca é a dessalinização da água do mar. Em Portugal apenas existe uma central dessalinizadora, localizada na ilha de Porto Santo, prevendo-se a implantação de uma nova central no Algarve.

A água desempenha, também, um papel crucial no processo de transição energética, representando uma alternativa aos combustíveis fósseis, permitindo reduzir a dependência nestes recursos. Constitui, por isso, um dos recursos centrais do mix energético. De facto, a energia hídrica é a maior fonte de energia renovável do mundo, sendo responsável, de acordo com a International Energy Agency, por mais de 70% da produção global de energia renovável. A energia da água é usada há milhares de anos, quer através do recurso a moinhos de água e a rodas de água, usadas em fábricas, quer através da sua utilização para produzir eletricidade, nas centrais hidroelétricas. É, igualmente, um recurso central na produção de energia geotérmica. Nos últimos anos, têm surgido outras formas de utilização da água na produção de energia, nomeadamente através da energia das ondas e na produção de hidrogénio verde (renovável) com vista ao cumprimento das metas de eficiência energética e neutralidade carbónica. O mar constitui, de igual modo, um local onde pode ser gerada energia eólica, o que poderá permitir aumentar a capacidade de produção de energia renovável.

A água subterrânea é, ainda, utilizada no termalismo, com aplicações terapêuticas e de bem-estar, contribuindo para a saúde das populações.

Por outro lado, a água é também um dos principais motores dos processos de modificação da Terra, sendo determinante em muitos processos geológicos. Deste modo, é um dos principais agentes de modificação da crosta terrestre enquanto agente erosivo, ajudando a desenhar as paisagens de todo o planeta, desde os polos até aos desertos, influencia a composição das rochas, a formação de minerais e muitos outros processos geológicos essenciais, pelo que desempenha um papel central na geologia.

Por sua vez, a geologia, sobretudo através da hidrogeologia, tem um papel fundamental na gestão da água, uma vez que cerca de 98% de toda a água doce no estado líquido está distribuída em aquíferos e muitas populações dependem, primeiramente, da água subterrânea.

Assim, torna-se claro que os geólogos, as geociências e a geodiversidade têm um papel fundamental na implementação de estratégias de proteção e exploração sustentável deste recurso geológico, contribuindo para a concretização dos ODS, em particular o que se refere à água e saneamento, bem como para sustentabilidade do planeta.

Neste sentido, a APG decidiu proclamar o ano de 2023 como o Ano da Água, dando visibilidade a este recurso, que tem uma componente invisível, a água subterrânea, chamando a atenção para as suas múltiplas utilizações e importância para os seres vivos e para o ambiente.

As X Jornadas APG, integradas no Ano Temático da Água, constituirão, assim, um fórum de discussão sobre as múltiplas valências da água e o seu papel como recurso estratégico e vital. Neste evento, pretende-se, igualmente, discutir de que forma os geocientistas podem ter um papel de maior relevância social, contribuindo para o esclarecimento da sociedade e para um debate informado, suportado em conhecimento científico.